Agonia, êxtase, agonia, êxtase! Uma gangorra em preto e branco

 

 

Max Pereira
Do Fala Galo, em Belo Horizonte
10/06/2019 – 13h31

A irregularidade tem sido a marca dos clubes brasileiros ao longo dos tempos. Na verdade, nada de anormal se considerarmos a vida de qualquer mortal nesse “mundão de meu Deus”, como dizia minha velha e saudosa avó.

Se tratando do Galo mais famoso do mundo, essa enlouquecedora e angustiante oscilação do Glorioso também nada tem de anormal, se considerarmos a trajetória desse clube demarcado por um gigantismo natural e dono de uma história incrivelmente absurda de glórias, porém, entremeada por altos e baixos, marcada por acertos e insight’s históricos e crivada tanto de erros dolorosos cometidos à larga por agentes internos, quanto de ataques covardes e perversos desferidos em profusão por agentes externos. Nesse sentido, as arbitragens são um capítulo à parte.

Essa descrição do que tem sido o Atlético nesses pouco mais de 111 anos de vida deve ser entendida apenas como o arranjo de um cenário para a análise proposta nesse ensaio.

A mim sempre pareceu óbvio que o que acontece dentro das quatro linhas é consequência direta ou reflexo do que acontece fora de campo.

Uma máxima de um autor desconhecido diz que, no futebol moderno, uma partida começa bem antes do apito inicial e que para ganhar o jogo ao final dos 90 minutos é essencial vencer, antes, a batalha de bastidores.

Vencer a guerra fora dos gramados e, em consequência, a batalha dentro das quatro linhas, só é possível com planejamento de elenco, da temporada, da estrutura, da preparação física, técnica, tática, mental do time e organização administrativa e financeira do clube, além, é claro, de um cuidado com a preservação de um bom ambiente interno, com o trato da imagem da instituição e com o cultivo de sua força política.

É desnecessário dizer e até explicar que, na atual temporada, o Atlético, no geral e, como sempre, pecou feio no planejamento e continua pagando nos demais quesitos acima citados.

Nos momentos de dor, o torcedor atleticano, apaixonado e machucado ao extremo, tende, com raras e honrosas exceções, a reduzir suas críticas ao desempenho do time, às falhas desse ou daquele jogador que, por uma razão ou outra, já caíra em desgraça em seu conceito e se tornara alvo de seu ódio, de sua intolerância e de sua vingança das frustrações sempre presentes na vida de qualquer um.

Nesse sentido, do atual elenco, Elias, Cazares e Fábio Santos têm sido os alvos prediletos e recorrentes da ira da torcida. Ricardo Oliveira e Bolt também já são vítimas de ataques raivosos cada vez mais frequentes, enquanto Victor e Patric colhem uma gostosa e, até então improvável no caso do folclórico lateral, redenção e consequentemente estão vivendo uma bela lua de mel com a Massa, que espero que seja duradoura e extensiva aos demais integrantes do grupo atleticano.

Eventuais escolhas erradas desses ou de outros jogadores são sempre precedidas de escolhas equivocadas tomadas ou pelo comando do clube durante a temporada, ou pelo treinador antes do jogo ou no transcurso da partida.

Mesmo sofrendo e angustiado, o bipolar torcedor atleticano por vezes se irrita com as críticas de outros torcedores e desses exige só elogios.

Elogiar apenas é impossível em todo e qualquer jogo ou, pelo menos, é prática inconsistente com o desempenho médio do time atleticano nas últimas temporadas.

É verdade que falhas sempre acontecem. E é também fato inconteste que um time que a cada jogo tem que matar um leão e exorcizar milhões de demônios, fatalmente cometerá erros. Essa tem sido a tônica do time atleticano ao longo dos tempos e, marcadamente, no mandato do atual presidente.

Ainda assim, é necessário destacar que a adoção quase recorrente de posturas e escolhas equivocadas por parte de jogadores, dirigentes e do próprio treinador do momento, poderiam ter sido evitadas, se cuidados com o planejamento houvessem sido tomados.

Não tenho nenhuma dúvida de que muitos erros e falhas ou não teriam acontecido ou não teriam se repetido se os dirigentes atleticanos não fossem tão omissos ou inapetentes.

Por exemplo, fazer com que o time fosse escalado recorrentemente demarcado por um perfil biofísico e etário majoritariamente limitador e contraproducente é o resultante da incúria e do amadorismo que têm, ao longo de anos e anos, caracterizado a gestão atleticana.

Ou seja, colocar em campo em um mesmo time seis, sete jogadores lentos, pesados, de mobilidade reduzida e alguns com idade bastante elevada, tem sido o resultado de uma política equivocada e temerária.

Da mesma forma, insistir com jogadores em visível má fase, seja porque estão com a cabeça nas mil e uma especulações de mercado que envolvem os seus nomes, seja porque estariam às voltas com problemas pessoais mal resolvidos ou seja ainda porque mal escalados taticamente ou com problemas físicos, são situações que, além de perfeitamente evitáveis, também exemplificam a incúria dos dirigentes alvinegros.

Otero antes de se transferir para o futebol árabe, Cazares depois de afastado do time e até impedido de treinar durante a parada da Copa para ser vendido a quem interessasse, e no início dessa temporada, Fábio Santos com a cabeça muito ruim, Patric, limitado e muito cobrado, Guga com sua explícita dificuldade em marcar, Igor Rabello com claras dificuldades de adaptação, Adilson fora de forma, Luan e Elias, alvos de especulações sobre uma possível transferência, respectivamente, para o Timão e para o Internacional, o climão provocado pelo desentendimento entre o pai e empresário de Elias e o presidente Sette Câmara, os erros, as escolhas equivocadas e o temperamento desagregador de Levir Culpi são alguns exemplos de problemas que poderiam perfeitamente ser ao menos minimizados, senão trabalhados com competência, responsabilidade, planejamento, parcimônia e muito respeito ao ser humano.

Um exemplo claro de incúria na preparação dos atletas são algumas expulsões de atletas durante a temporada passada, seja por inexperiência e ansiedade mal trabalhada de alguns, seja de atletas experientes que pecaram por falta de leitura da arbitragem e da postura do adversário.

Era evidente que faltava aos atletas atleticanos adequada orientação. A bem da verdade, na atual temporada esse problema parece ter-se reduzido satisfatoriamente. Elias, expulso no jogo contra o Flamengo, é a exceção para confirmar a evolução nesse quesito.

Há, ainda, um problema crônico e grave de postura ainda não solucionado por Rodrigo Santana. Geralmente e, independentemente do adversário, o time atleticano perde a grande maioria das disputas físicas, de corpo a corpo, no pé de ferro, enfim, aquelas que exigem atitude, personalidade.

É deprimente ver alguns jogadores se mostrarem tão frágeis e tão desimportantes nas disputas que exigem vigor e atitude. Nos momentos de baixa emocional, então, esse problema se escancara assustadoramente.

É irritante ver alguns jogadores desabarem no gramado ao menor contato do adversário que, quase sempre, retoma a posse de bola com uma facilidade absurda.

E quantas vezes o time atleticano vem, mais que o desejável, perdendo as chamadas bolas bobas porque alguns jogadores tentam enfeitar alguns lances ou teimam em deixar a iniciativa para o adversário.

Não custa repisar as recorrentes escolhas equivocadas como, por exemplo, ora reter a bola em demasia, ora errar passes fáceis, seja por excesso de confiança, seja em razão de cansaço mental, seja até mesmo por uma incontrolável displicência, seja pela vontade irreflexiva e também incontida de se livrar da bola, o que os leva a se exceder nos passes de risco, induzindo o companheiro de time ao erro.

A zaga, independentemente da formação escalada, até a chegada de Rodrigo Santana vinha recorrentemente batendo cabeça no jogo aéreo.

Ricardo Oliveira continua dando mostras eloquentes de que já chegou ao fim de carreira. O Bom Pastor, em seu benefício e do time, deve ser preservado e substituído com mais frequência. Alerrandro precisa jogar mais. Só assim adquirirá experiência, mais ritmo de jogo e embocadura. E já passou da hora de Papagaio voar pelos gramados com o manto sagrado.

Alem disso, não obstante vários jogadores não gostarem de ficar de fora e serem substituídos, é preciso considerar que vários atletas, cada qual por uma razão específica, merecem cuidados especiais e, por isso, passar por uma reciclagem que compreende descanso, reenergização e recuperação de foco seria recomendável e prudente. Mas, com as conhecidas limitações de elenco, como rodar o elenco e utilizar o grupo com racionalidade?

Cazares é um jogador absolutamente diferenciado, mas, por vezes, peca pela falta de alma ou de atitude. Melhor, peca porque ainda não entendeu o que significa ser o craque da companhia e, por isso, requer muita conversa e um trabalho especial e diferenciado.

Quantas vezes o torcedor atleticano se chateia e se frustra ao ver em 180 minutos de um jogo o time atleticano não conseguir marcar um gol sequer contra adversários claramente inferiores tecnicamente? Claro, alguma razão para tudo isso tem.

Desnecessário explicar que tudo isso toma proporções preocupantes em um time machucado, emocionalmente fragilizado e passando por tudo o que esse time passou nos últimos meses.

Porem, além de apontar possíveis razões para essas mil e uma dificuldades citadas acima, muitas delas ainda intransponíveis para o time atleticano, é fundamental ir a fundo na origem desses problemas.

E é este o objetivo central desse artigo. E para isso, nada melhor que fazer um paralelo entre os trabalhos dos técnicos da nova geração que passaram pelo Atlético, Thiago Larghi e Roger Machado, com o que hoje é desempenhado pelo Rodrigo Santana.

Se de um lado, assim como Roger Machado e Thiago Larghi, Rodrigo Santana tem, inegavelmente realizado um bom trabalho, de outro, estes jovens treinadores atleticanos, pecaram, vez ou outra, por inexperiência, por falta de alguém ao seu lado, mais cascudo e matreiro no futebol e, também, em razão de algumas fraquezas comuns a qualquer técnico, experiente ou não.

Talvez não seja exagero dizer que Larghi ontem e Santana hoje tiraram leite de pedra, cada qual a sua maneira e estilo. Afinal, mesmo tendo à sua disposição um elenco mal planejado, mal montado e com poucas opções para determinadas posições ou funções, em especial do meio para frente, eles conseguiram dar um padrão à equipe.

Roger Machado se diferencia deles por dois aspectos: jamais foi interino e não iniciou o trabalho em ambiente tão conturbado quanto os outros dois.

Com Larghi o time atleticano valorizava a posse de bola, evitava rifa-la e dar aqueles chutões irritantes e, por vezes, até mostrou um insuspeito equilíbrio emocional e uma capacidade de reverter placares e situações delicadas, como aconteceu diante do Furacão, no ano passado, em Curitiba. A falta de planejamento e os desmontes promovidos pelo comando atleticano feriram de morte o seu trabalho.

Com Roger o time era plástico, por vezes inovador. As naturais oscilações decorrentes da evolução do time e de sua gradual adaptação aos conceitos do treinador, somados à impaciência de grande parte da torcida, abriu brecha para que um novo diretor de futebol, que de repente caiu das nuvens, demitisse Machado e colocasse em seu lugar um homem de sua confiança e afeito às suas ideias e projetos.

A óbvia solução de continuidade e o absoluto despreparo de Micale para a função levaram o Atletico a colher ventos e tempestades.

Se o time oscilava com Roger e com Larghi, a evolução da equipe era clara e visível até para um incauto observador. O Atlético, mesmo sendo por vezes mais time que o adversário, em alguns jogos finalizava pouco e mostrava pouca objetividade, em outros, confrontos, ao contrário, chegava até a brilhar intensamente nesses quesitos.

Antes da parada da Copa o time, ao meu entender, tinha atingido o ápice com Larghi. O desmonte do elenco, como não canso de repetir, tal qual uma praga de gafanhotos em uma lavoura, arrasou com o trabalho feito.

Roger e Larghi, de jeito e formas diferentes, balançaram na gangorra atleticana e caíram estatelados e impotentes.

Santana surge, por sua vez, como um grande estrategista defensivo. O time, defensivamente, mudou da água para o vinho após a saída de Levir Culpi. Mas, o jovem treinador atleticano até esse jogo contra o CSA não vinha mostrando grandes coisas do ponto de vista ofensivo.

Com ele, os zagueiros atleticanos se firmaram e passaram a jogar bem e Patric recuperou o respeito da torcida.

Com ele, também, Elias mostrou, de uma vez por todas, a sua franca recuperação tática e moral diante da massa. Elias tem entrado sempre bem, tem conferido personalidade ao meio de campo e qualificado o passe do time. O seu senso tático é um absurdo e Santana tem sabido explorar.

E com Santana, Luan, Cazares e Chará já encontram nesse último jogo a alegria, a leveza e a capacidade de jogar harmonicamente. O CSA que o diga.

Mas Santana é jovem, tem muito a aprender e dar aos times que conduzirá em sua carreira que, espero e acredito, será vitoriosa. Como já tem muito a dar a próprio Atlético, o que, óbvio, não depende só dele.

Como dito acima, o treinador interino do Atlético vinha mostrando até agora um grau significativo de dificuldade na armação ofensiva do time. Em razão disso, o Atlético sofreu muito com uma transição bastante deficiente e com uma recorrente falta de profundidade pelas beiradas do campo. Na realidade, havia uma preocupação quase obsessiva com a marcação.

A belíssima atuação diante do CSA, goleado por 4 x 0, trouxe novo alento ao torcedor atleticano e a esperança de que o futebol plástico, fluído, veloz e contundente mostrado nesse jogo, seja, às expensas do comando e dos recursos táticos de Santana, uma constante a partir de agora.

Mas não é só isso: Santana, a exemplo de outros jovens treinadores que começam a ganhar o seu espaço e reconhecimento no futebol brasileiro, já mostrou que também não é imune a algumas vaidades e fraquezas muito comuns entre os técnicos veteranos.

Algumas escalações insuspeitas ou mexidas controversas seriam mesmo ousadia ou, na verdade, uma tentativa de mostrar quem tem autoridade, que são eles é quem mandam e escalam?

Queria fazer essa pergunta a Larghi e me sinto tentado a fazê-la a Santana.

Qual seria a explicação para se utilizar fulano e não sicrano, ou para relacionar beltrano e deixar aquele outro sistematicamente fora das relações e dos jogos? São perguntas que irritam os treinadores antigos e rodados porque os deixariam nus se respondessem a verdade sobre os seus motivos.

Os técnicos veteranos se escudam na experiência, no nome, na carreira que construíram, na boa relação com este e aquele cronista e também na incúria de dirigentes, para conduzir seus times de acordo com as suas particularidades e fugir das questões que os deixam desconfortáveis. Mas, e os novatos?

Tal qual os atletas, os jovens treinadores demandam proteção, blindagem, apoio e estrutura para desenvolverem o seu trabalho e para que eles próprios possam crescer na profissão que escolheram e não caírem nas armadilhas que a própria vida e o futebol em particular costumam armar aqui e ali.

Com Santana não é diferente. Sua efetivação não é contra indicada. Mas, alguns cuidados são indispensáveis, como a tutela e a supervisão de alguém experiente, rodado e conhecedor das manhas do futebol. Alguém que desse sustentação ao jovem treinador, que enchesse o túnel e garantisse sempre um bom vestiário.

Algo do tipo que Antônio Lopes fez no Botafogo, nos tempos de Ricardo Gomes e de Jair Ventura, técnicos jovens que tiveram no veterano ex-treinador, um esteio é um ponto de apoio fundamental para trabalharem e desenvolverem os seus conceitos. Ambos agradeceram publicamente a Lopes por tudo que velho ex-delegado fez por eles.

Aqui sugiro também a adoção de uma experiência que pode ser muito interessante. Além de um profissional cascudo como proposto acima, por que não trazer Thiago Larghi de volta para compor a comissão técnica com Rodrigo Santana?

Não tenho dúvida nenhuma de que um completaria o outro, vez que Santana é muito bom do meio para trás e Larghi muito eficiente e criativo do meio para frente.

E não creio que haveria o risco de uma guerra fratricida de vaidades, mesmo porque o experiente coordenador, acima sugerido, estaria ali para dar o equilíbrio e a sustentabilidade necessária ao trabalho.

2019 ainda não chegou na sua metade e já viu o Atlético abdicar de um título (Mineiro) e ser eliminado melancolicamente de mais uma Libertadores pelas razões já fartamente conhecidas e que vão desde absoluta falta de atitude histórica do comando atleticano até as escolhas equivocadas e aos erros já dissecados acima.

O certo é que as eliminações precoces fazem o clube perder dinheiro, prestígio, respeito e importância.

Diagnóstico é o que não falta. Soluções para um prognóstico feliz é que são elas. O que fazer e o que não fazer são coisas já excessivamente conhecidas pelo mundo atleticano.

Rodrigo Santana e nenhum outro treinador conseguirá sucesso e resultados positivos se não for dado a ele as condições objetivas, a estrutura e o apoio para trabalhar em alto rendimento.

AGONIA, ÊXTASE, AGONIA, ÊXTASE. Até quando o Atlético estará condenado a esse incontido sobe e desce? Sina, carma ou o preço justo cobrado de quem faz de sua trajetória uma sucessão abusiva de erros?

 

Revisado por: Jéssica Silva