Futebol Brasileiro: uma realidade em contínua…
Max Pereira
Do Fala Galo, em Belo Horizonte
23/05/2019 – 13h31
Refis, Profut, dívidas, crises, prejuízos, balanços e “balanços”, penhoras, salários atrasados e bloqueios são algumas das palavras e expressões que foram incorporadas ao vocabulário do futebol moderno.
Se antigamente os jogadores eram os protagonistas do espetáculo, hoje em dia agentes, empresários, investidores, parceiros, patrocinadores e fornecedores de material esportivo estão roubando a cena.
O futebol é um negócio multibilionário e como tal se transformou em um sistema complexo e muito perverso para vários clubes.
Nesse sentido, é apropriado dizer que existe um sistema que comanda e conduz o futebol segundo determinados interesses que, quase sempre, são muito hostis à varias agremiações, particularmente àqueles clubes mal geridos, politicamente enfraquecidos e sufocados por problemas financeiros graves e historicamente muito mal administrados como o Atlético.
Televisão (detentora dos direitos de transmissão), outros órgãos de imprensa, Streaming’s modernos, plataformas inovadoras, entidades desportivas (Fifa, CBF, federações regionais), clubes, agentes, empresários, investidores, parceiros, políticos, patrocinadores e fornecedores de material esportivo compõem, com graus de influência e poder diferenciados, esse complexo sistema.
Cada vez mais sofisticado e com tentáculos cada vez mais poderosos, este sistema tem metamorfoseado o futebol brasileiro e o vem redefinindo a seu caráter e modo, se utilizando com maestria da incúria, da mediocridade e da imprevidência dos dirigentes dos clubes brasileiros, os grandes responsáveis pelas gestões temerárias, pelas dívidas escorchantes e pelas intermináveis crises que vem solapando suas agremiações.
A mensagem mais inteligente postada no Twitter sobre essa última final do mineiro não só resumiu o que aconteceu naquela decisão contra o rival como e, principalmente, sintetizou em uma única frase a realidade atleticana no cenário atual do futebol brasileiro: “O Atlético perdeu para o sistema”.
Mas as polêmicas revisões ou não revisões do VAR são apenas a ponta do iceberg que está pondo a pique a grande maioria dos clubes brasileiros. Ou seja, é apenas um sintoma, não a causa.
É bem verdade que a maioria absoluta dos clubes da série A atravessam problemas similares aos do Atlético no que concerne às recorrentes más gestões, ao acúmulo de dívidas faraônicas e mal administradas e aos sazonais atrasos de salário.
Atualmente, dois ou mais clubes da série A estão com dois ou mais meses de salários atrasados. Um é de Minas e não é o Atlético. A exemplo de outros clubes, o rival também vem fazendo malabarismos para colocar as suas contas em dia.
A imprensa silente esconde a notícia. Blindagem ali é pouca coisa, diferentemente do que acontece com o Galo mais maltratado do mundo, sempre estupidamente susceptível a vazamentos intempestivos e indesejáveis de notícias ruins, muitas vezes improcedentes e, também, às maledicências e às ações nocivas e covardes de agentes externos cuja intenção, costumeiramente bem sucedida, é desestabilizar e prejudicar o clube.
E não é só isso, as informações estratégicas do Atlético também vazam grosseira e irritantemente, causando ao clube prejuízos muitas vezes irrecuperáveis, enquanto a comunicação institucional do Glorioso, há muito deficiente e omissa, falece a olhos vistos.
Não obstante as mazelas internas do Atlético merecerem acurada análise e críticas pontuais, nesse artigo trataremos especificamente da relação do Atlético com o sistema futebol brasileiro.
Enquanto os clubes brasileiros em geral tentam driblar os seus problemas e alguns testam a sua capacidade de se blindar, esconder os problemas, não pagar seus credores e não sofrer nenhuma consequência por isso, o sistema futebol vem desenhando os contornos do esporte bretão no Brasil e, em escala mundial, em todo o planeta.
Contando com uma passividade assustadora e deprimente da maioria absoluta de todos os envolvidos no negócio futebol, o sistema, por meio daqueles entes que o comandam com pulso forte vêm, ao longo dos tempos, colocando uma camisa de força nos clubes, jogadores, treinadores, dirigentes e até em uma parcela significativa dos formadores de opinião, engessando a mídia, segundo seus interesses.
Parece pouca coisa, mas o rígido controle sobre os atletas, até mesmo regrando como devem ou não comemorar os gols, o que podem ou não falar antes, durante e depois dos jogos e, pasmem, o que podem ou não fazer em suas folgas, exemplifica esse poder coercitivo e opressor que o sistema exerce sobre todos aqueles que militam no mundo do futebol.
Em escala variada, os treinadores e dirigentes sofrem pressão similar. E é claro que essa pressão se distribui em graus variados, dependendo da importância política do clube, de sua capacidade de blindagem e da qualidade da sua interação com o sistema.
A televisão, fonte de receita imprescindível e essencial para todos os clubes, nos fornece um exemplo claro de como os clubes, ao frigir dos ovos, se comportam como marionetes do sistema, claro em níveis diferenciados, tamanha a dependência e a submissão aos interesses da emissora detentora dos direitos de transmissão.
Fox e Rede TV, por exemplo, deixaram de transmitir a Sul-Americana. A mesma Fox também não renovou a parceria com a Globo e também retirou de sua grade as transmissões da Copa do Brasil.
Como a Globo vive seu drama particular em razão da crise econômica que avassala o país e vê suas receitas diminuírem perigosamente, a sua capacidade de garantir o nível atual das cotas de transmissão televisiva está cada vez mais em xeque.
Por isso, já a médio prazo poderão ocorrer reduções significativas das cotas de televisão e, em consequência, a relação dos clubes com a televisão jamais será a mesma.
Isso sem falar que, a maioria dos clubes, o Atlético entre eles, já se comprometeu com a “Poderosa” e já gastou tudo aquilo que a televisão já antecipou. Até 2024 a maioria absoluta dos clubes brasileiros, o Atlético inclusive, não tem como cavar mais receita nesse segmento.
E mais: a poderosa Warner já havia tirado do ar seus dois canais especializados, os chamados Esporte Interativo 1 e 2 da TV fechada, indicando a sua pretensão de investir em sua plataforma na internet.
Isso provocou uma solução de descontinuidade nos contratos que ela havia assinado com alguns clubes.
Alguns recuaram e voltaram para os braços da Globo por condições não muito favoráveis. Era pegar ou largar. Pegaram. Uma espécie de vingança da Poderosa.
Só Palmeiras e o Furacão mantiveram seus vínculos com a Warner e buscaram tirar alguma vantagem de um acerto com a Globo para as transmissões de Pay Per View e em TV aberta. O Furacão parece já ter acertado, vez que, em sinal aberto, a Globo já mostrou o seu jogo contra o Corinthians nessa última rodada.
Antes de tudo isso, a Band e a ESPN já haviam desistido de seus pacotes, respectivamente TV aberta e fechada e deixaram de transmitir, respectivamente, o Brasileirão e a Copa do Brasil.
A crise, o baixo retorno e a não realização das cotas de patrocínio são as razões alegadas para os recuos dessas emissoras.
A Globo, como já observado, atravessa problemas financeiros cada vez mais agudos e não mais conseguindo dividir seus direitos tanto nas transmissões na TV aberta, quanto na fechada, buscou, para diminuir seu prejuízo, aumentar o seu faturamento de Pay Per View, incluindo na grade do Premiere os jogos da Copa do Brasil.
Se essa iniciativa vai produzir resultados satisfatórios é uma incógnita vez que outro fenômeno também ameaça as televisões abertas e fechadas. É que quem tem poder aquisitivo para continuar adquirindo esse tipo de produto já começa a optar por outras plataformas na internet.
A DAZN é a grande novidade no Brasil e, esse ano, vai transmitir a partir de agora e com exclusividade a Sul-Americana.
Mas não é só isso: nos Estados Unidos a ESPN que hoje pertence à gigante Disney, incorporou os canais Fox Sports e o que resultou dessa incorporação é o maior império da comunicação esportiva do planeta.
Mais cedo ou mais tarde o mesmo acontecerá em toda a América Latina e, obviamente no Brasil. E a partir daí a correlação de forças no mercado televisivo esportivo brasileiro jamais será a mesma.
A Globo sabe que o futuro não é promissor. Afinal, concorrer com essas plataformas que têm em sua retaguarda gigantes estrangeiros é missão muito difícil, para não dizer inglória.
Dentro deste cenário perverso e hostil, como reagem e estão se preparando os clubes brasileiros? No geral, muito mal, obrigado.
O Atlhetico Paranaense, por exemplo, tido e havido como exemplo de gestão moderna e eficiente no futebol brasileiro, está acumulando uma dívida escabrosa com a sua arena, drama com contornos que lembram o imbróglio do Corinthians em Itaquera e o Grêmio em seu novo estádio.
A exceção do Flamengo, os outros “grandes” do Rio de Janeiro soçobram. Decadência explícita e, por hora, irreversível.
Palmeiras e Internacional são os melhores exemplos de como ser superavitário com as suas arenas.
As dívidas dos clubes brasileiros em geral atingem patamares estratosféricos. Ainda assim, não poupam gastos de forma inconsequente e temerária.
E o pior: não é possível apostar na veracidade dos números de seus balanços. O Atlético é um exemplo típico disso.
O sistema que rege o futebol brasileiro privilegia claramente Flamengo e Corinthians, via cotas de televisão e controle do mercado publicitário paulista, o maior do Brasil. Aliás, o único forte e pujante, vez que os mercados das outras praças, além de fracos, são, por vezes, viciados por interesses heterodoxos.
Esse sistema exclui outros clubes, tradicionalmente tidos como grandes, da prateleira de cima do futebol brasileiro. O Verdão paulista surge como exceção nessa regra vez que, a bordo de um investidor especial, já consegue se imiscuir na prateleira de cima, ameaçando quebrar de vez a hegemonia de Flamengo e Corinthians.
O Atlético, hoje jogado pelo sistema no terceiro escalão das receitas de transmissão televisa e com perspectivas de cair ainda mais nesse ranking, tem perdido importância, força política e respeito ao longo dos anos.
Por outro lado, empresas estrangeiras, chinesas em especial, estão formatando parcerias com clubes médios e pequenos, mas relativamente enxutos e com baixo nível de endividamento. A ideia é transformá-los em clubes empresa, o América Mineiro é um deles.
A partir do momento em que essas parcerias se configurarem a correlação de forças entre os clubes brasileiros vai mudar radicalmente.
E aqui em Minas, com o novo América, tudo vai ser diferente.
Não é preciso dizer que esse cenário vai produzir a médio prazo transformações profundas no futebol brasileiro.
Mas nem tudo são más notícias. O Bahia, por exemplo, inova na administração e aponta para os coirmãos que um futuro sem sustos e promissor é possível.
E o Atlético em meio a tudo isso? Essa é uma pergunta que se desdobra em muitas outras e uma de nossas tarefas como atleticanos é ir a fundo e respondê-las.
Se nada for feito, o prognóstico sobre a saúde financeira e administrativa e o futuro do Atlético é muito ruim: queda de bilheteria, redução gradual da receita de sócios-torcedores, queda do valor de mercado de seus atletas, dívidas e gastos crescentes, etc.
Outro ponto nebuloso na vida e no caminho do Atlético é a Arena MRV. Se ela vai ser de fato a redenção do clube só o futuro dirá.
Estará o Atlético interna, organizacional e estruturalmente preparado para esse futuro que está sendo desenhado?
Cabe a cada atleticano buscar responder a essas questões e, principalmente, convergir os seus esforços na construção de um Atlético forte, vencedor, campeão e apto para enfrentar os desafios que terá pela frente.
Cabe a cada um de nós atleticanos a missão de subverter a história e fazer o Atlético vencer o sistema.
Eu acredito. Afinal, já vencemos o vento.