Parte 1: sócio-torcedor

Por Silas Gouveia

Praticamente na totalidade dos clubes brasileiros o modelo de implantação e manutenção de seus programas de sócio-torcedor segue uma única cartilha, baseada 100% nas premissas da pesquisa apresentada anteriormente aqui, no texto de introdução a este debate. Categorização, descontos nos preços de ingressos, pontuação e parcerias com empresas que permitem descontos em seus produtos ou serviços. Poucos se aventuram em áreas diferentes, como sócios VIP ou de sócios acionistas/conselheiros. Nenhum se aventurou ainda a tornar esta parceria sócio-clube algo além do senso comum. Tampouco vimos sequer uma iniciativa para fazer uma parcela de alguma iniciativa social em seus programas. Via de regra, este segmento é tratado tão somente como mais uma fonte de recursos rápidos e, de preferência, duradoura ou perene, com crescimento sustentável destes recursos.

Categorizar os planos de sócio-torcedor, em uma primeira avaliação demonstra de fato ser a estratégia mais sensata e acertada. Mas se essa categorização não for desenvolvida através de estudos e pesquisas de mercado, pode se tornar uma dor de cabeça desnecessária e até um ponto de atrito entre clube e sócios. Quando não se tem um estádio próprio então, a categorização pode servir de distanciamento e divisão de torcedores, além de gerar poucos recursos ao clube. Uma categoria na qual o sócio só tem a opção de pagar uma anuidade ou mensalidade que lhe dá como retorno quase único ingressos para todos os jogos do seu time durante o ano, independente do torneio a ser disputado, e o confina a uma determinada área do estádio que sequer é de sua propriedade. Isso pode trazer ao clube alguns prejuízos tanto financeiros como de relacionamento com o seu torcedor. Essa categoria vai acabar rapidamente.

Os planos além de ter uma categorização estudada e projetada à situação real da entidade (estádio próprio ou não), deveriam também ter outros atributos que permitissem ao torcedor se sentir privilegiado pelo clube, mas normal entre os demais sócios. Além disso deveria ser flexível e se possível, individualizado. Ninguém gosta de ser tratado como um número e poucos clubes no Brasil fazem algo neste sentido.

Mandar um cartão de aniversário para o sócio, saber de suas preferências comerciais, ao menos reconhecer que ele esteve presente em mais de 70% dos jogos daquele torneio ou mesmo da temporada, tudo isso acaba ajudando ao sócio a se sentir prestigiado pelo clube e não apenas mais um número.

Fora isso, a categorização deveria contemplar a participação efetiva na condução administrativa e financeira do clube. Sem essa mudança, continuaremos como simples torcedores e nunca como sócios.

Uma coisa se mostra fundamental e é muito pouco discutida em qualquer modelo de sócios-torcedores do Brasil: estes programas não podem servir de intermediadores ou facilitadores para a atividade de cambistas de ingressos, como sabemos existir. Cada sócio deve ser responsabilizado por seu plano e punido, em caso de revenda de ingressos adquiridos por ele. A recompra de ingressos só poderia ser feita pelo próprio clube, devidamente recompensada ao sócio e não por terceiros, como forma de comércio ilegal.

Ainda citando alguns exemplos de clubes europeus, vários deles conseguem, em determinados jogos, apresentar taxas de ocupação de estádio acima da capacidade nominal máxima. Mas como isso é possível? Vender mais ingressos que a capacidade do estádio? Overbooking nos estádios? Nada disso! Apenas uma medida muito salutar e economicamente muito interessante, que permite ao sócio que tenha comprado ingresso antecipado, através dos pacotes de torneios, mas que naquele jogo específico ele por algum motivo não poderá comparecer, simplesmente devolver ao clube e receber de volta alguns benefícios que variam. Pode ser apenas o ressarcimento de parte do valor pago, mas pode também ser uma pontuação extra no programa de sócio, ou ainda dividir o lucro obtido com a revenda e, em casos ainda isolados mas que vêm chamando a atenção, doar estes ingressos à torcedores que nunca teriam condições de gastar seu dinheiro para ir ao campo, mas que gostariam de assistir à pelo menos um jogo do seu time naquela temporada. Nestes casos o sócio que devolveu seu ingresso ganha pontuação extra no plano e o clube não recebe nada com a revenda desse ingresso, mas cumpre um importante papel social. É importante ressaltar que o ingresso pode ser desde o mais barato até o mais caro. Ninguém saberia dizer que aquela pessoa que está no estádio foi a mesma contemplada com um ingresso grátis. “Não saiba sua mão esquerda o que fez sua mão direita!”

Mas não adianta falar ou escrever sobre o tema, mostrar outras realidades e criticar certas condutas adotadas pelos clubes sobre os programas de sócios-torcedores se também não forem apresentadas algumas ideias ou sugestões que embora simples e sem um estudo de lastro ou viabilidade financeira, podem jogar uma luz sobre a visão do principal agente envolvido nesse tipo de projeto: o torcedor.

As premissas básicas para apresentação de algumas ideias é que a categorização dos programas é um caminho sem volta e que deve continuar seguindo os rumos apresentados na pesquisa já realizada, garantindo descontos progressivos a cada categoria de sócio. Deve também, abrir a possibilidade de participação dos sócios nas votações e assembléias do clube, ao menos para determinadas categorias. Devem abrir a possibilidade de inclusão social para aquelas pessoas que não dispõem de recursos suficientes para participar dos programas, mas que deveriam poder frequentar, ao menos de forma esporádica, os jogos do seu time de coração. Por último, deve-se abrir a possibilidade de os sócios poderem optar por ingressos individuais ou pacotes, em qualquer setor ou área do estádio, sem a necessidade de serem discriminados a uma só área.

Dessa forma temos a sugerir que as categorias de sócio-torcedor sejam pensadas e projetadas para seguir as seguintes diferenciações:

Categoria VIP, na qual a participação do sócio lhe garantirá prioridade na compra de ingressos, os descontos serão maiores e progressivos, haverá a possibilidade de participação em assembleias e decisões administrativas e financeiras do clube. Seus ingressos poderão ser adquiridos de forma individual ou por pacotes de cada torneio que o clube disputar naquele ano, além de permitir que o mesmo compre seu ingresso em qualquer setor ou assento do estádio, desde os mais baratos até os mais caros;

Criar possibilidade de categorizar os torcedores também de acordo com suas faixas etárias (crianças, jovens, adultos, idosos) cada qual com seus preços diferenciados;

Criar mecanismos de controle de todos os sócios, de acordo com seu endereço, suas necessidades e seus percentuais de participação nos jogos durante o ano. Este percentual poderá lhe proporcionar descontos na renovação de seu plano, além de permitir um acúmulo maior de pontos por tempo de participação. Também deverá levar em conta que cada sócio é uma pessoa especial e deve ser lembrada em momentos especiais, como aniversário, mudança de categoria de sócio, tempo de associado, frequência aos jogos, participação em eventos do clube e troca de pontos por algo disponibilizado pelo mesmo, ou até por seus parceiros comerciais;

Aumentar o número de empresas participantes de descontos aos associados categorizando estes descontos de acordo com a pontuação obtida por cada sócio. Desta forma, os sócios mais fiéis tanto ao clube quanto ao parceiro, terão descontos maiores e mais vantagens a serem desfrutadas;

Ao longo de um período pré-determinado, os sócios vão obter seu reconhecimento pelo clube e gozarão de determinadas diferenciações, como poder participar de visitação ao CT e aos treinos do time. Também poderão transferir os pontos acumulados durante este período para inscrever seu nome em um tijolo na parede de uma ala ou área do seu estádio, ou qualquer outra iniciativa que estimule o sócio a usar cada vez mais seu cartão de sócio torcedor. A fidelização e a manutenção de suas mensalidades em dia deverão gerar também uma diferenciação deste sócio, propiciando descontos progressivos em sua categoria, permitindo até mesmo um “up grade” de categoria por percentual de participação de jogos em um ano;

Todas as categorias poderão optar pela compra individualizada dos ingressos, ou por pacotes de acordo com a competição que o clube estiver participando. Mas todas as categorias também deverão prever em seus preços, um percentual para construção de um fundo social, que permitirá ao clube ceder alguns ingressos a cada jogo, para pessoas de baixa renda e que desejem assistir jogos do seu time de coração. Essas pessoas serão identificadas e cadastradas em um banco de dados do clube e seus ingressos não poderão ter qualquer tipo de identificação que permita aos demais sócios, ou ao público em geral identificar os assentos dessas pessoas, que poderão assistir aos jogos em quaisquer áreas do estádio, e não ficar confinadas a uma determinada área que possa ser transformada em uma área de discriminação;

Aos sócios que optarem pela compra de pacotes de ingressos, será facultada a devolução do ingresso para um determinado jogo ao próprio clube, quando este sócio não puder ou não quiser comparecer. Essa devolução irá gerar um percentual de descontos na aquisição de novos pacotes e os ingressos devolvidos deverão ser distribuídos aos torcedores de baixa renda. Toda esta operação deverá ocorrer sem custos ao clube e terá um prazo máximo de comunicação com o mesmo, de forma a lhe permitir a utilização desse ingresso.

Enfim, essas são apenas algumas dentre várias sugestões que têm uma visão do torcedor, não do dirigente do clube. Muitas outras sugestões certamente existirão se forem abertos canais de comunicação entre clube e torcedor. Acredita-se que somente desda forma poderemos dizer que temos de fato no Brasil programas de sócios-torcedores e não somente sócios compradores de ingressos.

Esperamos de alguma forma ter contribuído para um debate aberto e proveitoso sobre de um tema tão falado e pouco debatido. Queremos abrir um canal de comunicação direta com o torcedor e, se possível, também com o clube. E com isso aprimorarmos a forma de relacionamento entre o clube e o torcedor, aumentando as chances de êxito das iniciativas do Atlético, além de produzir um debate de alto nível e de ideias interessantes para alavancar cada vez mais e de forma sustentável tudo aquilo que possa servir de fonte de recursos e crescimento do clube.

Este será apenas o primeiro tema a ser debatido, e o esperado é que tenhamos sucesso nessa iniciativa e que o maior número possível de pessoas possa participar e enviar suas sugestões.