Para cada jogo existe uma escalação ideal…
Foto: Pedro Souza / Flickr Atlético
Por Max Pereira / @pretono46871088 @MaxGuaramax2012
Parte significativa dos analistas da atualidade entende que no futebol de hoje não existe um jogo igual ao outro. Parece uma conclusão óbvia, mas não é. Se fosse algo facilmente perceptível para todo e qualquer amante do esporte bretão, não existiriam tantos torcedores reclamando por uma escalação ideal, protestando pela titularidade absoluta deste ou daquele atleta de sua preferência ou ainda maldizendo o futebol praticado nos dias atuais e destilando espasmos saudosistas em relação aos tempos chamados de ouro, aqueles em que o jogo romântico e plástico embebia o imaginário de cada torcedor e fazia aquela tão benfazeja catarse, permitindo a qualquer aficionado do esporte se vingar metaforicamente das agruras do dia a dia.
Se o futebol fora das quatro linhas se transformou em um negócio multibilionário, não é de se espantar que, dentro de campo, o esporte não tenha passado impune a todas as transformações havidas. A globalização aproximou o mundo e, a par das diversidades e dos conflitos culturais, econômicos, políticos e de interesses, podemos falar sem exagero que, de certa forma, hoje vivemos em uma aldeia global nos influenciando uns aos outros, no futebol não é diferente. Aliás, o futebol reproduz em todas as suas células as idiossincrasias desse mundo louco e multifacetado, cada vez mais cruel e exigente.
O que antes era plástico, romântico, lúdico, essencialmente técnico e com altas doses de prazer orgásmico e catártico para quem praticava, para quem comandava e para quem consumia, tornou-se fundamentalmente tático, físico, mental, pragmático e estupidamente sofrido para quem o pratica, para quem o comanda e para quem o consome. E, claro, há muito já não produz aquela benévola catarse. E aquela simbiose que tornou futebol e política irmãos siameses, com um se servindo do outro, apenas acompanhou a evolução dos tempos.
Haveria no futebol de hoje espaço para a alegria e o jeito moleque genial de Garrincha, o Anjo das Pernas Tortas? Ah! Um gênio como foi Mané joga e se sobressai em qualquer época, responderiam os mais afoitos. Tenho as minhas dúvidas. Já vi jogador ser agredido por outro apenas porque exibiu um futebol espetáculo, considerado pelo agressor e pelos defensores do feio desrespeitoso. Edilson, o Capetinha em um clássico Corinthians e Palmeiras, ao fazer uma embaixada de cabeça, quando o Timão, seu time à época, vencia o jogo com autoridade, “provocou” uma batalha campal, ao ser agredido a socos e pontapés. E, pasmem, ele que apenas exibiu talento e apanhou foi expulso, sob a justificativa de ter desrespeitado o adversário ao conduzir a bola com a cabeça para o delírio de sua torcida. E Edilson não é um caso isolado.
Quando Pelé e Coutinho conduziram a bola, tabelando, ora de cabeça, ora com o peito, do círculo central até as redes do Flamengo, sem deixar a bola cair no gramado e marcando um dos gols mais antológicos da história do Maracanã, foram aplaudidos de pé pela própria e fanática torcida do rubro-negro carioca que, ao contrário de massacrar seus jogadores de meio de campo e de defesa, magistralmente envolvidos pela maior dupla de ataque de todos os tempos, reconheceu, exaltou e reverenciou o talento absurdo daqueles dois craques fantásticos, um deles e, não atoa, o Rei do futebol.
E hoje? Como reagiram os torcedores do Urubu se nos dias atuais assistissem no palco daquele que é considerado o maior templo do futebol do planeta, uma dupla de atacantes, ainda que com rasgos de genialidade insuspeita, ousassem o desplante de superar a zaga de seu time tal e qual Pelé e Coutinho fizeram no passado (se é que é possível repisar essa façanha) e marcar um gol que, a exemplo daquele outro, permaneceria para sempre nos anais do esporte e na memória de que teve a felicidade e alegria de ver como eu? E como reagiriam os jogadores de hoje do Flamengo? Alguém tem dúvida que, ao contrário do que aconteceu naquela tarde de domingo no então maior estádio coberto do mundo, de que a “ousadia“ e o “desrespeito” seriam respondidos com alto grau de violência?
Hulk hoje, com bem menos plasticidade e apenas porque pratica um futebol vertical e intenso, aliando técnica, inteligência e força, tem sido seguidamente agredido sob os olhares complacentes dos árbitros brasileiros e a irritante e crônica omissão do comando atleticano.
“Ah! Que saudade daqueles tempos em que qualquer torcedor sabia na ponta da língua a escalação de seu time”, dizem muitos torcedores para justificar a sua preferência por este ou aquele atleta. Do goleiro ao ponta-esquerda, eu poderia repetir aqui escalações do Atlético de tempos diferentes entre si, porem de épocas onde era possível e até lógico repetir a escalação e ter um onze definido adredemente como titular absoluto, independentemente do adversário e de outros fatores que hoje são profundamente determinantes na definição de quem vai entrar em campo neste ou naquele jogo.
Hoje, e não há como ser diferente, cada jogo é um jogo. O que se tem que considerar é que para cada jogo existe uma escalação ideal. A brilhante atleticana e doutora Carla Meireles expressou em suas redes sociais o desejo de ver jogar juntos no meio campo do Galo Jair, Zaracho e Nacho Fernández. Seria apenas uma daquelas inexplicáveis, mas sempre certeiras intuições femininas? Ou ela teria percebido, assim como eu, que o jogo de Jair e de Zaracho se encaixa mais do que com outros parceiros da chamada “volância”, assim como Allan e Tchê Tchê mostram mais empatia tática entre si do que com qualquer outro companheiro do setor?
E, partindo desta eterna e arrastada polemica entre milhares e talvez milhões de “técnicos” atleticanos, procurarei, e não apenas para o meio de campo do Atlético, “escalar” uma equipe “ideal”.
Apesar de ter minhas preferencias em cada setor do time, seja por considerar este ou aquele jogador em relação a outro de sua posição mais plástico, mais completo e, aos meus olhos e coração, mais prazeroso vê-lo em campo, claro, jogando em sua zona de conforto e entregando o máximo que ele pode dar, curvo-me sem problemas e sem nenhuma dificuldade ao que impõem as várias e complexas variáveis que hoje interferem decisivamente na atuação e no desempenho de um time de futebol, muitas delas imponderáveis e fora de controle dos agentes envolvidos (jogadores e trinadores).
Assim, entendo que o grande desafio de Cuca que vem sofrendo, apanhando e aprendendo jogo a jogo, o que o seu semblante não consegue esconder, é definir, partida por partida, entre quem estiver disponível, o melhor e mais adequado onze para realizar a melhor proposta de jogo para enfrentar e superar o adversário da vez. Se a ideia é fazer um jogo propositivo ou não, se se sabe que, ao mesmo tempo em que vai ter que furar as linhas de marcação de um adversário que claramente veio para jogar fechado e no contra-ataque, também tem que cuidar para a que a sua “cozinha” não fique desprotegida, se se vai optar por um ala mais agressivo pela beirada do campo ou, ao contrário, por outro atleta que tenha as características ideais para participar com eficiência de uma linha de saída de bola e/ou para atuar com excelência da construção inicial das jogadas por dentro, o fundamental é que se escolha e escale, independentemente de qualquer outra motivação, o jogador mais indicado para a tarefa.
Entre Mariano ou Cuca, Allan ou Jair, Zaracho ou Tchê Tchê, Arana ou Dodô, Rabello ou Nathan Silva ou ainda Réver, que joguem aqueles que darão uma melhor resposta ao esquema estabelecido e ao o que adversário proporá pelo seu lado. É gente, ninguém joga sozinho, do outro lado tem sempre um adversário que, para o torcedor apaixonado e irreflexivo, nunca tem méritos.
E quando deverei utilizar três zagueiros? Qual seria o trio ideal? E quais seriam as melhores opções para fazer a dobra de marcação pelos lados e, quando for o momento e a necessidade, se projetarem seja pelo corredor lateral, seja por dentro? A resposta é simples e sempre a mesma: aqueles que melhor se encaixarem dentro da proposta de jogo definida para aquele confronto.
Teórica e tradicionalmente em uma linha de três zagueiros, aqueles que jogam por fora e alguns treinadores os definem com aqueles que saem à caça e também na cobertura do lateral, devem ser mais leves e mais rápidos do que aquele que joga centralizado, também conhecido como beque de espera, uma variante do antigo líbero. Ninguém me contou e, muito menos Cuca publicizou, mas acho que a preferência por Nathan Silva em relação a Rabello, particularmente em uma formação de três zagueiros, se deve a esse fator.
A mesma reflexão pode e deve ser feita em relação à estruturação do meio de campo que pode sim, ser escalado, como aconteceu diante do Boca Juniors em Buenos Aires, com o quarteto Allan, Zaracho, Tchê Tchê e Nacho Fernández, ainda que a experiência em La Bombonera tenha sido frustrante para a grande maioria da torcida, dos analistas e para mim próprio. O êxito desta formação dependerá exclusivamente do posicionamento de cada um deles, associado, é claro, a um condicionamento físico que os tornem aptos a desempenharem com a dinâmica e a energia necessárias a função de cada um.
Como sempre gravo os jogos do Atlético e os revejo sem a contaminação da adrenalina e da emoção incontrolável do momento. Sem querer fazer qualquer caça às bruxas em relação a Cuca me perguntei durante o jogo e continuei me questionando em enquanto revia a reprise porque o treinador atleticano, já que por razões que só ele sabe não colocou Dodô em campo para sanar o principal calcanhar de Aquiles do time na etapa inicial que foi a lateral esquerda, muito mal defendida por Alonso, seja defensiva, seja ofensivamente, voltou para o segundo tempo não só com a mesma formação, mas com o zagueiro paraguaio e os jogadores de meio mantendo o mesmo e deficiente posicionamento que os levou a serem encaixotados e envolvidos pelo meio de campo Xeneize que, a partir do momento em que este, ainda no primeiro tempo, se encontrou e, paralelamente, o time atleticano começou a dar sinais claros de esgotamento físico, dominou inteiramente aquele setor.
Por que então, Cuca não determinou que Alonso passasse a jogar efetivamente como um terceiro zagueiro pelo lado esquerdo e não como lateral, determinando a Tchê Tchê que fizesse a dobra de marcação por aquele setor, passasse Zaracho para o lado direito do meio de campo, onde este faria a dobra de marcação para Nathan Silva e a cobertura de Mariano, enquanto a Savarino, estranhamente apagado enquanto esteve em campo, era determinado a se movimentar e a circular pelo ataque atleticano, abrindo espaços para Hulk e para a chegada de Nacho Fernández?
Para agravar os problemas do Atlético, não resolvidos no intervalo, o treinador do time argentino passou o experiente e chato Villa para o lado direito de seu ataque, obviamente para explorar a debilidade daquele setor atleticano. E Mariano, livre de Villa que, mesmo sem levar vantagem explícita sobre o atleticano, o importunou durante todo o primeiro tempo, justificando o seu futebol retraído e conservador, estranhamente também não explorou na etapa complementar o seu conhecido potencial ofensivo. Desgaste? Orientação tática?
A clara falta de energia e de encaixe tático da equipe a partir do último terço do primeiro tempo e durante toda a etapa final deixaram o jogo para o Atlético perigosamente aberto. Um jogo que escancarou para quem duvidava que o time, com poucas exceções está muito cansado o que afeta as escolhas e compromete o rendimento. O cansaço físico leva a um cansaço mental, na medida em que as jogadas não saem como desejado, as respostas esperadas não acontecem e, por vezes, um mal resultado se torna inevitável. O stress se avoluma e os nervos ficam à flor da pele.
E quando você tem em campo um jogador diferenciado, guindado estrategicamente à posição de capitão do time, que fala a mesma língua do adversário e dos árbitros e que põe a serviço de sua equipe sua liderança e seu carisma, como Nacho Fernández, ainda que fisicamente muito aquém do ideal e visivelmente fora de forma, sem ritmo de jogo, você consegue ser decisivo, se impor e fazer prevalecer a verdade e a justiça em lances polêmicos e vitais como o gol irregular e acertadamente anulado do Boca Juniors. Por este lance único no jogo Nacho justificou sua presença em campo, para muitos, precipitada e temerária, já que retornava de uma contusão muscular que poderia voltar de forma muito mais gravosa. O risco valeu a pena. E que risco.
E se o Atlético tem a vantagem de decidir a vaga nas quartas de finais da Libertadores em casa e depende unicamente de si, por outro lado o time copeiro do Boca Juniors sabe que em caso de qualquer empate com gols quem passa é ele. Ou seja, se fizer um gol, vai obrigar ao Atlético fazer dois. Um empate sem gols leva a decisão para os pênaltis. E, se o Galo quiser se classificar com o resultado dos próximos 90 minutos, tem que vencer por qualquer resultado. E isto tudo também não deixa de ser uma vantagem para a equipe portenha.
Será uma terça-feira de emoções redobradas. E a pergunta que não quer calar, qual será a equipe ideal de Cuca para esta decisão?
Mas, antes de responder a esta pergunta o próprio treinador deve estar quebrando a cabeça para definir outro time, aquele que vai entrar em campo no próximo sábado na Arena Neo Química, em Itaquera, contra o Corinthians dos ex-atleticanos Fábio Santos e Jô. Só sei que o bom senso manda quem for inteligente e precavido a poupar o máximo possível de jogadores que, nem sequer, devem viajar a São Paulo. Nacho e Dodô talvez devam ser escalados em alguma parte do jogo para ganharem minutagem, já que estavam parados e carecem de ritmo.
O resto do time deixo para Cuca, torcendo para que os deuses do futebol o iluminem sábado contra o Timão e na terça-feira contra o emblemático Boca Juniors. Afinal, cada jogo é um jogo e o tenso treinador campeão da Libertadores em 2013, mesmo errando aqui e acertando ali, entre tapas e beijos, indica que está aprendendo e evoluindo.