Marco Zero regulatório, o futuro está aí…
Foto: Reprodução / Twitter
Por Max Pereira (@pretono46871088 @MaxGuaramax2012)
Para o consultor Amir Somoggi, da Sports Value, os clubes são importantes demais para virarem propriedade de alguém o que, aliás, já é possível no futebol tupiniquim, vez que a legislação atual já permite a transformação dos clubes brasileiros em clubes-empresa. O caso mais emblemático hoje no Brasil é o do Red Bull Bragantino.
Segundo Somoggi, os clubes são patrimônios culturais e os seus sócios não podem jamais deixar de serem representados. E, aqui, ele toca em um tabu, em algo proibido até mesmo de se discutir e considerar nos fóruns atleticanos: a participação do sócio torcedor alvinegro em canais eletivos e decisórios do clube.
Na trilogia composta pelos artigos “NA PRÁTICA, A TEORIA É OUTRA…”, “ATLÉTICO: UMA REALIDADE EM CONTÍNUA TRANSFORMAÇÃO. CAMINHOS E DESAFIOS…” e “CLUBE-EMPRESA: ARMADILHA OU SOLUÇÃO?”, publicados aqui no PRETO NO BRANCO, busquei traçar um cenário tendo como pano de fundo as transformações em curso no futebol mundial e brasileiro em particular e, a partir daí, analisar os caminhos, os desafios e as possíveis armadilhas que estariam no horizonte atleticano.
Neste ensaio, além de reconhecer e festejar uma franca e auspiciosa modernização na gestão do Atlético, iniciada pela diretoria anterior e continuada pelo comando atual com claras e interessantes correções de rota e a introdução de soluções tecnológicas de ponta nas diversas áreas fins e meios do clube, pretendo contribuir para que o Atlético encontre o melhor modelo constitutivo, i.e., aquele que lhe permita captar capital privado sem, contudo, permitir que o seu controle majoritário jamais passe para mãos não identificadas com a sua história, com a sua essência e com a sua identidade.
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Se de um lado, é verdade que o Atlético, ao que tudo indica, já está sendo remetido a um nível de profissionalização e modernidade em sua governança, ímpar em sua história, de outro é preciso garantir que a sua transformação em clube-empresa passe pelo viés democrático, visando transparência e participação de seu sócio torcedor.
Não atoa diversos especialistas têm criticado o projeto de lei que tramita no Senado Federal, de autoria do Senador Rodrigo Pacheco, presidente daquela Casa, que cria uma nova estrutura societária para os clubes de futebol, a Sociedade Anônima do Futebol (SAF), a qual, conforme já analisamos nesta coluna, apesar de envolver um conjunto de regras específicas para o mercado do futebol, não só não resolve os problemas estruturais do futebol brasileiro, mas os agudiza, já que privilegia tão somente o capital, deixando o clube à mercê dos interesses e dos humores dos investidores e, tampouco, garante a qualidade da gestão. O que é preciso deixar claro é que o projeto que cria as SAFs não coloca o futebol brasileiro nos eixos e, muito menos, não se constitui em um marco zero regulatório com regras fiscais claras e transparentes, algo hoje imprescindível à saúde dos clubes e ao futuro do esporte no país.
O projeto de lei em questão se inspira na legislação adotada por Portugal e Espanha, países, prenhes de cases de maus resultados. Vários são os exemplos de clubes transformados em clubes-empresas que faliram e foram refundados pelos seus torcedores que insistiram em manter vivas as suas tradições, cores e identidades, inclusive nomes, sucateadas por “donos” que não tinham nenhuma identificação com a instituição. O caso da Fiorentina na Itália, um dos clubes mais tradicionais da velha Bota, que faliu e foi refundada, é um dos mais emblemáticos do futebol europeu.
A “Sociedade Anônima Desportiva”, modelo português e a SAD (Sociedade Anônima Desportiva) da Espanha, que lastreiam o projeto da SAF brasileira foram um fiasco. E a “Societá per Azioni”, criada na Itália em 1981, também não conseguiu salvar os clubes de seu país, onde, nos os últimos 35 anos, das 63 agremiações que participaram de ao menos uma edição da Série A, a primeira divisão italiana, 40 faliram pelo menos uma vez.
A bola da vez hoje na Itália é o AC Milan, um dos maiores times do mundo, que já há algum tempo vem sofrendo nas mãos de seus proprietários. O Milan tinha como dono o empresário e ex-primeiro ministro da Itália Silvio Berlusconi, que, quando viu que o clube se tornou um negócio deficitário, o vendeu para um grupo chinês que contratou um monte de jogador, pensando que o resultado esportivo seria natural e certo, mas quebrou. Hoje, o clube, segundo reza a lenda italiana, está na mão de um investidor americano que não entende nada de futebol, o que faz, o antes poderoso Milan, soçobrar sem perspectiva alguma.
Tudo isso e o que vem acontecendo recentemente em Manchester, Inglaterra, onde os torcedores do gigante United, entendendo que a identidade e a essência do clube estão sendo corrompidas pelos atuais controladores do clube, estão saindo às ruas para protestar e exigir o afastamento dos tais “donos”, serve de alerta para os clubes brasileiros e para que os homens que atualmente estão conduzindo o Atlético não permitam que essa transformação em curso possa, no futuro, colocar o clube em mãos que o levem a ter que ser refundado pelos seus aficcionados.
Nem tudo, porém, são espinhos no velho continente. O modelo alemão bem que poderia, com determinados ajustes e adequações à realidade econômico-financeira-cultural do Brasil, ser aplicado por aqui. Na Alemanha é permitido aos clubes buscarem capital privado, desde que mantenham o controle majoritário (50%+1 das ações) nas mãos das associações. No futebol alemão nenhum empresário pode ser dono de um clube, apenas acionista minoritário. O Bayern de Munique, por exemplo, é dono de boa parte da maioria de suas ações, mas diluiu parte delas entre investidores.
A primeira lição de tudo o que já foi dito até aqui neste, e nos artigos anteriores, é que a transformação em clube-empresa não é essencial e nem garantia de boa governança. A profissionalização e a modernização de sua gestão, sim, são fundamentais.
E como os sócios deverão ser representados nesse novo clube do futuro? Para responder é preciso, antes, falar da construção de um novo marco regulatório para o futebol brasileiro. Um marco zero, com regras financeiras mais rígidas para os clubes que, historicamente, vivem estrangulados por dívidas fiscais, bancárias e trabalhistas, além de outro produto da recorrente má gestão, dos investimentos temerários e do tradicional “devo, não nego e pago quando puder”. Os clubes não precisam de benesses, de nenhuma bondade e, tampouco, de impunidade. Precisam, outrossim, de regras claras e transparentes de governança, compliance e participação de seu corpo societário.
No Galo Business Day, Pedro Daniel, executivo da Consultoria E&Y, falou sobre a indústria do futebol e destacou que os desafios do esporte no mundo e no Brasil, em particular, serão o acesso ao mercado internacional, a formatação de um calendário mais humano e inteligente, a habilidade no enfrentamento da descentralização dos direitos de transmissão, o fim da dependência de vendas de atletas, as regulações, a implementação de uma visão de longo prazo e a percepção das novas tendências, o que implica na capacidade de inovação e acesso de novas tecnologias, como mercado + scouting, apostas esportivas, geração de conteúdo, e-sports, etc..
Daniel não só resumiu brilhantemente a carta de intenções atleticana, mas mostrou que o Atlético de hoje está antenado com os fenômenos que estão transformando a comunicação, os mercados, o consumo e a participação do que ele chama de novos clientes em todo o planeta e, particularmente, no esporte.
Assim, fica claro que só é possível responder àquela velha e, para muitos, inquietante questão sobre a participação dos sócios torcedores, se conhecermos a estratificação do perfil dessa clientela e, em consequência, as formas que motivariam cada segmento, cada extrato, a participar e a investir nos projetos do clube.
Se a transformação do Atlético em clube-empresa ou em algo do tipo parece ser inevitável, a relação do clube com os seus torcedores e potenciais clientes também caminha para uma nova e irreversível realidade. E o clube precisa entender (e parece que já sabe) que vai ter que dialogar com o seu torcedor-cliente em várias linguagens, plataformas, instrumentos e mecanismos. E também que essa relação é biunívoca, i.e., uma via de mão dupla, de troca.
Os clubes europeus já sabem disso. E alguns deles já estão utilizando de uma ferramenta ainda distante para a realidade atleticana, mas, que provavelmente já está sendo estudada nos interiores do clube.
Falo do Chiliz (CHZ), o maior token de utilidade dedicado a e-sports, games e entretenimento, com grande entrada em famosas equipes de futebol como Barcelona e PSG, fazendo o CHZ extremamente popular e chamativo para o público. O Chiliz é o criptoativo que valorizou mais de 2.000% desde o início do ano. O Utility token (token de utilidade), como também é conhecido, possibilita que o investidor seja sócio de times como Barcelona, Juventus e PSG, oferecendo alta rentabilidade, acompanhada de risco extremo.
“Os utility tokens são ‘ativos mistos’ que possuem valor, podem ser negociados pelo investidor e especulados com a oscilação. Sua utilidade principal, porém, é conferir acesso a serviços e funcionar como meio de troca dentro de outras plataformas e ambientes”, explica Fabrício Tota, diretor de novos negócios do Mercado Bitcoin.
No caso do Chiliz, o investidor que possuir esse token pode ter acesso a jogos do Barcelona, Juventus e PSG, concorrer a promoções de patrocinadores dos clubes, receber recompensas VIP e pode até converter o Chiliz em direito a voto em decisões dos times. Essas decisões variam de clube para clube e, via de regra, não englobam questões políticas das entidades. Os Chiliz são uma forma de aproximar a agremiação do seu torcedor que pode, por exemplo, escolher qual música tocará quando algum atleta fizer um gol ou qual vai ser a frase que estampará a braçadeira do capitão, dentre outros “prêmios”.
Portanto, o que vai o torcedor levar em conta na hora de escolher entre as mais de 6 mil criptomoedas em circulação na atualidade é o retorno que o clube lhe oferece.
O Chiliz também oferece acessos no mundo do UFC e dos e-Sports. Por essa característica, o esse criptoativo também é conhecido como Fan Token (ou Token de Fã). Para conferir esses benefícios, o investidor deve comprar o Chiliz (CHZ) em uma corretora de criptomoedas, da mesma forma como se negocia Bitcoin ou outras moedas digitais tradicionais (no Brasil, o Chiliz é negociado na Binance e no Mercado Bitcoin). Em seguida, é preciso realizar a transferência para o aplicativo da plataforma Socios.com e seguir os passos para acessar os tokens de fãs dos clubes que desejar.
Aqui é preciso lembrar que este é um ativo novo e que faz parte de um mercado em processo de consolidação, com altos riscos inerentes. Apesar da alta rentabilidade do Chiliz, os especialistas alertam para o alto risco de volatilidade que está atrelado a esse ativo, que é mais alto do que o relacionado às criptomoedas mais conhecidas. “Esses tokens dependem diretamente da atuação e das entregas de um empreendimento. As criptomoedas existem sozinhas, independentemente de uma empresa ou do Conselho de um clube”, alertam os especialistas. Mas, uma coisa é certa: quanto mais ligas e clubes criarem fan tokens, mais a procura pelo Chiliz irá aumentar.
Será esse é o caminho que vai ser seguido pelos clubes brasileiros, o Atlético em particular? Tudo pode acontecer, mesmo porque, segundo Mayra Siqueira, gerente geral da Binance no Brasil, entre os fatores que podem determinar a alta vertiginosa do token está a expectativa de expansão da fintech de blockchain Chiliz, criadora do CHZ, nos Estados Unidos e no Brasil. Em março desse ano, o CEO Alexandre Dreyfus anunciou um investimento de US$ 50 milhões para a expansão nos EUA e confirmou a inauguração de um escritório da companhia em São Paulo.
E mais: o desempenho dos clubes que estão atrelados ao Chiliz em grandes competições determina a movimentação da moeda. “O avanço do PSG nas quartas de final da Champions League valorizou os tokens. Depois da vitória, o preço do PSG Fan Token aumentou quase 110%”, destacou Siqueira. Essa interpendência entre o token e o desempenho dos clubes faz com que os investidores sempre busquem acompanhar bem de perto o que acontece nas entidades nas quais investiram, para se proteger da alta volatilidade. É bom lembrar que se houver descumprimento de uma cláusula ou se os clubes romperem o contrato com a Chiliz, o token fatalmente irá desabar.
Para os clubes o Chiliz é uma nova forma de gerar receita, engajar atuais torcedores e até atrair fãs em novas fronteiras, já que os criptoativos proporcionam um mundo sem divisões geográficas. “É uma nova e inovadora forma de globalizar uma marca esportiva para bilhões de pessoas”, opina Siqueira.
No momento, nenhum clube brasileiro possui um Fan Token criado com o Chiliz. Entretanto, com um escritório perto de ser inaugurado em São Paulo, a expectativa é de que conversas e negociações aconteçam com alguns clubes nacionais.
Por tudo isso, o futebol brasileiro precisa de uma legislação que estabeleça um marco zero regulatório que considere a realidade econômica-financeira-cultural do esporte e do país. E, nada do que se criar, seja para buscar ou diversificar as receitas do clube, seja para atrair e interagir com os mais diversos segmentos de sua massa torcedora, pode se constituir em risco ou em aventura para o Atlético, para os investidores e para os parceiros.