‘Cruzeirar’ ou ganhar o mundo? Eis a questão!
Foto: Reprodução
Por Max Pereira @pretono46871088 @MaxGuaramax2012
Se março para a massa atleticana não é um mês qualquer, também não deveria ser para os jogadores de futebol.
“26 de março é um dia histórico. E que todo jogador de futebol brasileiro deveria celebrar. Ao sancionar o texto da Lei 9515, a Lei Pelé, de 1998, o então presidente Fernando Henrique Cardoso concedeu uma carência para a extinção do passe, que passou a valer em 26 de março de 2001, 20 anos atrás. Acabava ali uma mal disfarçada “escravidão” no futebol”. Assim começa a matéria publicada no UOL no ultimo dia 26 desse mês, intitulada “26/03: fim do “passe” e vitória da liberdade no futebol. Comemore, jogador” e assinada pelo jornalista Andrei Kampff.
É a partir da desmitificação da realidade do esporte bretão nestas terras tupiniquins que Kampff destrói o que há de “mais imaginário do que a leitura quase universal que se tem sobre o esporte. Glamour, status, trampolim social?”
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A partir do momento em que a Lei Pelé entrou em vigor o vínculo entre o atleta e o clube mudou radicalmente, vez que os contratos passaram a ter prazo fixo e multa estipulada. Se muitos receberam essa nova realidade como uma libertação para os jogadores, para outros, o atleta só teria mudado de “dono”. Não é difícil adivinhar quem seria esse novo dono. E, cá entre nós, em muitos casos não deixa de ser uma triste verdade.
Mas, a crítica mais repercutida na época, em especial pelos dirigentes, era de que o “fim do passe” representaria a “falência” dos clubes, uma vez que não encontrariam compensação financeira pela formação dos atletas. Embora a Lei Pelé tenha merecido ajustes e continue merecendo, a realidade para os clubes não foi tão ruim como muitos de seus próceres temiam.
Todas as vezes que as janelas de transferência se abrem o mercado do futebol se agita, com bilhões de dólares sendo movimentados e alguns jogadores recebendo fortunas para trocar de time.
A pandemia, porem, está afetando radicalmente esta realidade. Em seu artigo “Europa discute teto salarial no futebol. Existe esse caminho no Brasil?”, Gabriel Coccetrone nos alerta que “as regras do Fair Play Financeiro da Uefa (FPF) deverão passar por mudanças drásticas nos próximos meses. Com a Covid-19 criando uma crise “muito diferente de tudo o que já foi enfrentado”, segundo os dirigentes da entidade, a ideia é de que as novas regras passem a se concentrar principalmente nos tetos salariais dos clubes”.
Se já existia há algum tempo um debate sobre mudanças no sistema, a pandemia foi um componente que acelerou o processo, explica o economista Cesar Grafietti, conforme Coccetrone nos lembra. Mas, e no Brasil?
Desde que a pandemia eclodiu todos os clubes brasileiros, sem exceção, vêm experimentando problemas financeiros, cada vez mais agudos. As receitas caem e as despesas parecem explodir. Um sem numero de agremiações pequenas e de porte médio, algumas tradicionais, encerraram as suas atividades ou entraram com um processo de recuperação judicial, com graves implicações sociais.
O tradicional Villa Nova de Nova Lima, que tem Atlético no nome, e que já foi campeão brasileiro da serie B, está com os dias contados. O Leão vai parar de rugir e o silencio que já advém é assustador. No Paraná, o Paraná Clube, agremiação oriunda de várias fusões de clubes históricos naquele Estado como o Ferroviário, o Colorado e o Pinheiros e, por isso, detentor no seu surgimento de um patrimônio invejável, talvez o maior do país entre os clubes de futebol, hoje segue aceleradamente os passos do nosso Villa e de outros clubes que se tornaram apenas história e lembranças.
E se alguém ainda duvida que a crise do futebol seja planetária, lembro que o Jiangsu FC, atual campeão chinês, foi excluído da competição dessa temporada e não vai mais poder defender o seu título em 2021. A confirmação veio nesta última segunda-feira, quando a Associação de Futebol da China (CFA) divulgou a lista dos 16 clubes que disputarão a próxima edição do campeonato.
O Jiangsu anunciou o encerramento de suas atividades no fim de fevereiro, devido à crise econômica de seu principal acionista, a empresa multinacional Suning. As dívidas do clube chegam a 500 milhões de yuan (cerca de R$ 535 milhões). Além disso, o time chinês foi também foi expulso da Liga dos Campeões da Ásia por não ter cumprido com suas obrigações financeiras. E, de acordo com a associação chinesa de futebol, seis outros clubes, por razões similares, também estão fora da próxima edição da Superliga Chinesa.
Embora, temas como Fair Play Financeiro e teto salarial sejam recorrentemente objeto de constantes discussões no futebol brasileiro, nada há ainda de empírico e avançado sobre como esses mecanismos poderiam ser colocados em prática por aqui. Para alguns seriam, sem dúvida, formas mais viáveis de se equilibrar as competições e também evitar gastos descontrolados.
Se para o Fair Play Financeiro e o teto Salarial darem certo entre nós é necessário que a CBF e os clubes se entendam e se unam em torno da ideia, o que hoje me parece claramente utópico, as próprias agremiações e as entidades que controlam o esporte no Brasil precisam, antes, passar por mudanças intestinas radicais o que, também, ainda é um prognóstico bem distante de se materializar em nosso país.
Não basta trazer o assunto à tona e apenas deitar falação se algum clube passar anos consecutivos ganhando títulos. É preciso sair do discurso e mudar comportamentos. Em um universo como o futebol brasileiro onde ética e transparência são peças de ficção, não é de se estranhar que, nessa terra de murici, cada um cuide de si e os outros… . Essa expressão foi eternizada por ninguém menos do que Euclides de Cunha no seu famoso livro “Os Sertões”, referência máxima de nossa literatura.
É nesse contexto de crise mundial que o Atlético vê o seu passivo superar a estratosférica marca de 1 bilhão de reais, à primeira vista, impagável e aterradora. Como não podia ser diferente, a notícia que varreu o mundo do futebol e tomou conta das manchetes, saiu do clube mais uma vez de forma oficiosa, nebulosa, a conta gotas e gerou mais duvidas do que certezas. Sinal de que a praga dos x9, a saúva alvinegra, ainda grassa incontrolável nas terras pretas e brancas e está longe de ser controlada e, muito menos, de ser extinta. Ou o Atlético acaba com os X9 ou os X9 acabam com o Atlético.
Dentre as várias questões levantadas e que ficaram no ar, o clube precisa responder como serão contabilizados no Balanço os valores aportados pelos parceiros. Se os 4 R’s, além de empréstimos a juros baixos, na condição de pessoa física, também fizeram doações e o que chamam de aplicação de um modo mais concreto de administração ao clube, como cada um desses valores será lançado no Balanço? O que seria essa “aplicação de um modo mais concreto de administração ao clube”? Quais aportes dos mecenas entrarão no cálculo do passivo de mais de R$ 1 bilhão? E como serão equacionadas as dividas de curto prazo?
Menos mal que o próprio clube não negou a informação. Há que se reconhecer, ainda, que o Atlético vem tentando colocar os pingos nos is. Como fartamente noticiou a imprensa mineira e pode ser visto em detalhes aqui no Portal UAI (leia aqui), o presidente Sergio Coelho veio a público no dia do aniversario do clube e informou que o Atlético irá apresentar em um evento intitulado “Galo Business Day”, em principio programado para ser realizado em abril, as metas e os parâmetros administrativos e financeiros que, em cinco anos, deverão colocar o clube definitivamente nos trilhos. Há a expectativa de que, neste evento, sejam abordados os seguintes temas: Estatuto, Vida Financeira, Auditorias, Transparência, Publicação de balancetes, Soluções Financeiras e Informações sobre os detalhamentos dos balanços.
O Atlético sabe que não pode continuar indefinidamente alimentando as suas contradições. Não há como sobreviver “ad aeternum” acumulando um endividamento cada vez mais elevado e, ao mesmo tempo, recebendo aportes milionários de empresários para a contratação de jogadores e pagamento de salários. Mudar esse cenário e reorganizar as economias do clube é, pois, fundamental e urgente. O Atlético indica também saber que não conseguirá fazer isso em pouco tempo ou em um passe de mágica. Estão planejando revolucionar as finanças do clube em cinco anos. E tudo começou com a famosa auditoria de uma das maiores consultorias do mundo, a Ernst & Young.
Sérgio Coelho não falou nenhuma novidade. Aumentar a arrecadação e reduzir os custos é o básico dos básicos, o que, no entanto, requer planejamento, habilidade e diligência. Se o clube busca reduzir os gastos e deve fazê-lo, por outro lado, deve separar o que é simplesmente despesa descartável do que é investimento. Talvez seja por isso que o clube, ao mesmo tempo em que sinaliza grandes preocupações com as suas finanças e indica medidas importantes para saneá-las, também informa que deverá ter em suas categorias de base um investimento 33% maior que os R$ 15 milhões inicialmente orçados.
De forma diligente, o companheiro e mentor do Fala Galo, Betinho Marques, nos lembrou em suas redes sociais que “os valores que ultrapassam 1BI de dívidas não são surpresa”. E, de fato, não são mesmo. Betinho nos informa ainda que existe um “Plano de Equalização” e que a possibilidade de venda do restante do Shopping é estudada para que o clube, com a grana na mão, tenha maior poder de barganha. Ou seja, maior capacidade de negociação das dividas que estão estrangulando as finanças do clube.
A verdade é que o Atlético vem enxugando gelo há muito tempo. E os homens que hoje estão conduzindo o clube, diretoria executiva e gestores/parceiros, parecem saber que para zerar estas dívidas que estão corroendo as finanças do clube, é preciso enfrentar uma batalha igualmente cruenta e delicada: erigir um novo estatuto.
É que não basta zerar e equilibrar as contas se o clube não se precaver e não estancar de vez todas as sangrias que, recorrente e historicamente, vêm debilitando a sua saúde financeira.
Um novo estatuto, moderno, ágil, participativo e inclusivo terá o condão de garantir que o clube jamais volte a se endividar temerariamente e que, também, deixe no passado, de uma vez por todas, essa tradição de gestões cartoriais e amadoras, absolutamente incompatíveis com o Atlético forte, vencedor e campeão sonhado por todos os atleticanos. Dentre outras modernidades, a previsão de responsabilização pessoal dos diretores executivos seria um passo primordial para inibir decisões e medidas temerárias tão comuns na vida do clube.
Mas, para equalizar as dividas e equilibrar as contas, será mesmo necessário vender a outra metade do Shopping? Espero que não. Mesmo porque, até agora o diferencial do Atlético tem sido o seu PL (Patrimônio Líquido) positivo. Desfazer de patrimônio só para pagar dívida é quase sempre uma tremenda furada. A venda de qualquer patrimônio exige planejamento e estratégias bem definidas. Se o endividamento não for estancado e as contas não se equilibrarem, em pouco tempo existirão somente dívidas e nenhum patrimônio. E aí, sim, o Atlético e qualquer outro clube ou entidade iria “cruzeirar” como vaticinam e parecem torcer as más línguas.
Mas, os ventos que sopram da sede de Lourdes trazem noticias que indicam que o Atlético sabe que se desfazer de qualquer patrimônio para simplesmente pagar dívidas é medida temerária.
Não só por isso, claro, a simples menção de venda de qualquer patrimônio já desperta resistências e temores dentro do clube. E não poderia ser diferente. O próprio presidente confessou o seu desconforto ante essa possiblidade. Essas resistências, sejam por que razoes forem, e são diversas, são interessantes para o clube pois forçam a diretoria executiva e os gestores/mecenas a esmerarem na condução desse Plano de Equalização e a serem cada vez mais transparentes.
E não é só isso. As resistências, as dúvidas e os receios, tão naturais em qualquer processo de mudança induzem a participação, a crítica, a cobrança e alimentam a vigilância em um processo sem volta que, por fim, levará os próceres atleticanos a entender também que o clube somente alcançará o patamar colimado, se adotar de fato uma gestão participativa e inclusiva, aonde todo aquele atleticano que, de alguma forma, venha a se inserir na vida do clube tenha, com regras bem claras e bem definidas, fóruns e espaço para contribuir, interferir, fiscalizar, votar e ser votado. Aqui, claro, incluo o sócio torcedor, aquele que injeta dinheiro no clube.
Ainda que seja sabido e ressabido, e não é preciso ser um paranormal para perceber, que os desafios do clube seriam insuperáveis não fosse a atuação do grupo de conselheiros e empresários formado por Rubens Menin, Rafael Menin, Ricardo Guimarães e Renato Salvador, não canso de repetir que nunca é demais vigiar e cobrar.
Fiel à bipolaridade e ao paradoxismo próprios do atleticano, me vejo envolto em sentimentos dúbios. De um lado, aquele torcedor apaixonado e irracional se exulta com as boas notícias e já antevê o novo Galo Forte Vingador ganhando o mundo. De outro, fiel aos meus princípios e valores me é impossível ver tudo isso de forma acrítica e passional. E, como bom jogador de “Truco”, não fujo de nenhum blefe, pago para ver e ponho seis, até que o Galo jogue na mesa a seu ZAP vencedor.
E AÍ, ATLÉTICO? É TRUCO, SEU LADRAO DE EMOÇÕES!