Tudo o que acontece dentro de campo é consequência do que ocorre fora das quatro linhas

Foto: Atlético / Bruno Cantini

 

Max Pereira
04/08/2020 – 06h
Clique e siga nosso Instagram
Clique e siga nosso Twitter
Clique e siga nosso YouTube

Clique e siga nosso Facebook

Em qualquer atividade da vida estar preparado para ela é condição fundamental para se obter um bom resultado. No futebol, então, é preciso cuidar, além dos aspectos intrínsecos do jogo em si, de vários aspectos extra campo e até mesmo extra clube. É preciso que o jogo seja jogado e vencido antes mesmo da bola rolar.

“Você notou que o Atlético de hoje já está bem diferente daquele de algum tempo atrás?”

Esse tipo de indagação mostra que o torcedor atleticano já consegue perceber, de forma concreta, que algo está de fato acontecendo com o time atleticano. Sacudido pelas contratações e movido pela expectativa em relação ao trabalho de Sampaoli, o Galista sonha com um novo e promissor Atlético.

Se dentro de campo já é possível ver um Atlético cerebral, paciente, que não se expõe desnecessariamente, prenhe de novidades táticas, que consegue se recompor com alguma eficiência, que valoriza a posse de bola, que busca explorar a amplitude para abrir espaços nas linhas adversárias, que está aprendendo a usar as suas armas letais e que também oscila, erra e irrita o seu torcedor, como ficou claro nesses últimos jogos após o reinicio das atividades, parece obvio que, para tudo isso fluir e trazer os resultados colimados, é preciso que muito trabalho e muita coisa aconteça ou esteja acontecendo fora dele.

A massa também está gostando desse Atlético que, do Galo Doido frenético, só tem as cores, o escudo e a mística que enlouquece a sua torcida.

Esse novo Galo que se desenha aos poucos, mostra que o grupo atleticano está comprando as ideias de Sampaoli e, por isso, está vibrando numa mesma nota. Há uma cumplicidade que se reforça jogo após jogo. Na partida contra o Patrocinense, por exemplo, mesmo com o jogo definido a seu favor, o time atleticano administrou o resultado e o confronto, sem deixar de torna-lo desinteressante de ser ver e sem se entregar àquele relaxamento chato, perigoso e maçante.

Claro, um ou outro instrumento da orquestra atleticana ainda desafina, dá um agudo em ré, enquanto os outros companheiros estão solando grave em si bemol. Ou vice-versa. Música não é meu forte. No quesito harmonia e na evolução a escola de samba alvinegra já mostra um desempenho muito interessante embora, por vezes, suas alas claudiquem e deixem espaços indesejados.

A verdade, porém, é que o treinador atleticano, frenético e incansável na postura e grandioso em recursos táticos vem mostrando que sabe aproveitar o melhor que alguns jogadores podem oferecer. Nathan, que tem revelado uma visão tática absurda, é o maior exemplo disso.

Mas, nem tudo são flores nos caminhos atleticanos. Fora das quatro linhas, o paradoxo atleticano salta aos olhos até do mais incauto dos observadores.

Não raro, especialistas vêm se manifestando de forma bastante crítica sobre os balanços que vêm sendo apresentados e aprovados pelos conselheiros, ano após ano, os quais, segundo eles, indicam que o clube vem se sujeitando a administrações temerárias, particularmente quando o assunto são os seus números e resultados financeiros o que, por obvio, vem provocando reflexos absolutamente negativos dentro de campo.

Finalmente, depois de muita polêmica e de sinalizações explicitas de um racha político interno, o balanço relativo ao exercício de 2019 foi aprovado pelo conselho Deliberativo do atlético e por uma, até então incrível, unanimidade.

O certo é que os números apresentados nesse balanço são péssimos e escancaram que o Atlético entrou em 2020 mergulhado em um buraco do qual iria demorar anos, talvez décadas para sair, se sair, caso o clube não sofresse uma ação emergencial e radical na sua forma de gestão e do trato do futebol.

Se de um lado, o Atlético mostra que uma pacificação proficiente ainda é possível e que o fantasma de ser excluído do Profut foi exorcizado de momento, de outro é preciso perceber que os problemas financeiros do clube, explicitados à larga no tal balanço e nas criticas feitas a ele, ainda estão longe de serem superados.

E, para que isso aconteça, tornou-se absolutamente necessário ao clube dar um cavalo de pau radical em seu modelo de governança.

Se o atlético vem mostrando que está mudando dentro de campo, é sinal que está mudando fora dele também. Uma coisa puxa a outra. E, a bem da justiça e da verdade é preciso reconhecer algumas sinalizações positivas em meio a tantos erros e equívocos.

Tem hora de criticar e tem hora de elogiar. Se em relação à estrutura da Cidade do Galo, às categorias de base e ao seu jurídico os dirigentes alvinegros têm merecido todos os aplausos, no que se refere ao trato do futebol, à gestão da dívida, aos cuidados com a marca do clube e a maximização da receita, eles, até então, vinham sendo merecedores de críticas veementes.

A contratação das quatro auditorias indica que o comando atleticano finalmente compreendeu que algo tinha que ser feito para tirar o clube da rota do abismo. E recente contratação de um profissional qualificado para área de marketing e de produtos do clube, mostra que algo de diferente e de bom está mesmo acontecendo.

Mas, é preciso fazer muito mais que isso. É preciso seguir à risca as orientações dessas empresas. E é necessário, também, que a diretoria entenda que publicizar todas as medidas, evidentemente com os cuidados necessários para proteger as informações estratégicas, é fundamental para, não só manter uma relação profícua com mundo politico do clube, estabelecendo uma via de mão dupla de informação, interação, critica construtiva e cobrança proficiente, como também para buscar o apoio imprescindível e inteligente de sua massa torcedora e angariar, de vez, o respeito da imprensa, do mercado do futebol e todos os agentes que compõem o complexo e multibilionário universo do futebol.

Mais do que promover uma caça cega às bruxas, buscando responsabilizar A ou B pelo vazamento do balanço financeiro, publicado pelo blog do Rodrigo Capelo antes da entrega ao Conselho Deliberativo, o que culminou na primeira discussão política envolvendo as finanças do ano passado, cabe a Sette Câmara e seus pares continuarem firmes rumo á profissionalização do clube, onde transparência e a proteção concomitante das informações estratégicas do Atlético sejam prioridade e explicitadas concretamente nas ações, decisões e medidas tomadas pelo comando atleticano.

Será muito útil ao clube que os atritos gerados sirvam de lição e que as inconsistências e dúvidas levantadas em relação ao polemico balanço sejam consideradas de forma critica e responsável pela diretoria, mesmo porque, induvidosamente, as auditorias já devem tê-las levantado e cobrado.

Coisas do tipo “avaliação do balanço analítico contábil sem a disponibilização do documento correspondente”, como denunciado por conselheiros, obviamente não podem mais acontecer.

E mais: não deve restar mais nenhuma dúvida a respeito dos três pontos que exigiram explicações mais detalhadas do departamento de finanças e que foram ressalvadas pelo Conselho Fiscal na reunião do CD que aprovou o balanço, a saber: a venda do Shopping Diamond Mall à Multiplan, a doação do terreno por parte de Rubens Menin para a construção da Arena MRV e o gasto que supera os R$ 10 milhões em viagens durante a última temporada.

Ou seja, as explicações dadas aos conselheiros e que os convenceram a aprovar o balanço devem ser ratificadas na pratica deste novo Atlético que se planeja construir.

Se internamente o clube não se cuidar e se organizar, não se profissionalizar e não entender a importância e o significado do que é ser transparente com responsabilidade, nada do que está sendo feito agora será perene.

Chegar á prateleira de cima é possível e, com alguma jogada fortuita é até fácil. A passagem de R10 pelo Atlético mostrou isso. O desafio era permanecer na prateleira de cima. E o clube falhou feio e vinha desabando em queda livre.

E aqui um recado: é fundamental ao Atlético, se quiser dar passos seguros rumo à glória e a excelência, dentro e fora do campo, que não despreze as recorrentes e intermináveis ações externas que visam desestabilizar o clube. Cuidar como nunca cuidou do extra campo e do extra clube é essencial ao sucesso colimado. Tudo isso, é claro, sem se descuidar do fogo amigo, aquele que arde nos seus intestinos.

Não se pode deixar de reconhecer as debilidades internas que vêm solapando a história, a respeitabilidade e as estruturas do Atlético e, por óbvio, minando o futebol do time.

Além de identificar os erros e as escolhas equivocadas do comando central ao longo dos tempos, as crônicas falhas de planejamento de elenco, a recorrente má gestão do clube e das dívidas, a inexistência, até bem pouco tempo, de uma estrutura profissional no futebol do Atlético, de uma filosofia e de um projeto de clube vencedor e campeão, como parece que clube já vem fazendo e corrigindo, é preciso admitir a crônica incapacidade de blindagem da instituição e de seus profissionais em relação às ações de agentes externos, quase sempre danosas ao Glorioso.

Para que o time e Sampaoli deem o que deles se espera, é preciso que lhes sejam dadas antes tranquilidade, condições, estrutura funcional, logística, organizacional e, claro, a devida blindagem. O que acontece fora de campo deve se somar em prol do que acontece dentro dos gramados e não o contrario, como a historia do clube até nos mostra.

Dentro e fora de campo o Atlético ainda faz escolhas erradas e é punido por isso. Até quando? Quem viver, verá. Por ora, dar tempo ao tempo e ao trabalho, vigiando e cobrando.