Marketing no Atlético: que trem é esse?

Foto: Farkasvölgyi Arquitetura

 

 

Prof Denílson Rocha 
19/05/2020 – 11h
Clique e siga nosso Instagram
Clique e siga nosso Twitter
Clique e siga nosso YouTube

Clique e siga nosso Facebook

Na última semana, o Diretor de Comunicação do Atlético, Domênico Bhering, concedeu entrevista ao FalaGalo e falou, dentre outros assuntos, da criação de um departamento de Marketing no Clube. Em sua fala, o Diretor teve a humildade e consciência para reconhecer que sua área de atuação não é o marketing e que o Galo ainda precisa melhorar em vários aspectos da relação com a torcida – realidade bastante conhecida pelo torcedor Atleticano.

Para começo de conversa, é preciso compreender o que é marketing, ou, em bom português, mercadologia – a ciência que estuda mercados. A base para conhecer marketing está na obra do P. Kotler. Lá, o autor afirma que “Marketing é um processo social pelo qual indivíduos e grupos obtêm o que necessitam e desejam por meio da criação, da oferta e da livre troca de produtos de valor entre si”. Em outras palavras, é identificar o que as pessoas precisam para, então, produzir e disponibilizar a elas no lugar e com o preço adequados. Ou seja, marketing NÃO é apenas publicidade e propaganda! Muito mais que isso, marketing envolve análise demográfica e de comportamento do consumidor (incluindo os processos de decisão para compra e o “neuromarketing”), o desenvolvimento de produtos (que requer conhecimentos de engenharia, design e UX, por exemplo), distribuição e logística, formação de preços (e muita análise econômica, cenários, perspectiva econômicas, orçamentos familiares, custos…) e, claro, promoção, publicidade e propaganda. Fazer marketing exige muito mais conhecimento e diversidade de formação.

Voltando à entrevista do Domênico Bhering, o Diretor ressaltou o quanto a Massa é fiel ao Galo e o quanto está disposta a consumir o que o Atlético oferece. Segundo ele, “eu não preciso disputar mercado com outro clube”. Aí está o primeiro – e mais grave – equívoco. Em 1960, T. Levitt publicou “Miopia em marketing” – que é um clássico em gestão – e mostrava que a falta de compreensão quanto a quem são nossos concorrentes é um erro comum e leva a diversas decisões inadequadas. E isso é muito comum no futebol. Porque, usando do slogan conhecido, “não é só futebol”. Futebol é parte do mercado do entretenimento e concorre diretamente com diversos outros produtos, inclusive o cinema, a Netflix e outras formas de “diversão”. Mesmo se ficarmos estritamente focados no futebol, a concorrência entre os clubes é real e cada vez mais forte. É comum que as crianças busquem vestir a camisa do time do seu ídolo – Messi, Cristiano Ronaldo e Neymar têm uma enorme capacidade de atração dos jovens para o futebol. E os pais precisam de muito empenho para manter as novas gerações no bom caminho da Atleticanidade. Especialmente nesse período de pandemia, os clubes de futebol estão perdendo “sócios” porque, com o dinheiro limitado, as pessoas têm que escolher entre o GNV e a comida na mesa. Então, nós precisamos nos preocupar em disputar mercado o tempo todo! E o mercado está mudando.

Em 2009, Ferran Soriano, ex-vice presidente do Barcelona e atual CEO do Manchester City, dizia que existiam três grandes fontes de receitas para os clubes de futebol: estádio (bilheteria, camarotes, estacionamento etc.), direitos audiovisuais (TV) e “marketing” (patrocínios, amistosos, merchandising, licenciamentos etc.). Nestes últimos anos, podemos incluir os direitos federativos dos jogadores como uma quarta grande fonte de receita. A busca pelas “joias” começa cada vez mais cedo e desenvolver categorias de base e também captar atletas é cada vez mais importante em todos os clubes. Porém, a pandemia do Coronavírus vai afetar profundamente o mercado de entretenimento e já eliminou a primeira das grandes fontes de receitas. Os estádios estão vazios e vão continuar assim por um longo período – season tickets, bilheteria, camarotes, alimentos e bebidas, estacionamentos… nada disso vai gerar receita para os clubes. No caso dos times brasileiros, Flamengo e Palmeiras, que vinham com receitas astronômicas de venda de ingressos, são fortemente impactados. Além disso, os programas de “sócio-torcedor”, bastante vinculados à venda de ingressos, já mostram perdas acima de 30% dos participantes. É papel do marketing dar resposta a isso. Como? Se não há uma das fontes, é preciso incrementar o que se faz nas outras. Se o torcedor não poderá ir ao estádio, é hora de buscar a operadora de TV, que está sofrendo com a perda de assinantes do pay-per-view, e oferecer preços diferenciados para os “sócios-torcedores”. É gerar valor compartilhado: estimular o GNV e o PPV!  As mudanças no mercado serão radicais e as respostas encontradas em momentos anteriores podem não ser mais suficientes.

O marketing do Atlético precisa ser pensado considerando dois diferentes públicos. O primeiro é o torcedor, a Massa, fanática e fidelizada. São as pessoas que se declaram Atleticanas, que buscam acompanhar (mais ou menos intensamente) o que acontece no Clube e com o Time, que consomem Atlético, seja como sócio GNV, seja comprando uma camisa ou qualquer outro produto, seja assistindo aos jogos pela TV, seja indo ao estádio. O segundo público é o fã de futebol, de forma geral, mas não vinculado ao Galo. Quantos de nós têm camisas de outros clubes? Quantos de nós assistimos jogos de outros clubes? Quantos já foram a jogos de outros clubes? Quantos já foram apenas conhecer os estádios? Além de ampliar as receitas geradas pelos torcedores do Atlético, é preciso gerar receita com os que NÃO são torcedores do Galo.

Mas como fazer isso? Alguns clubes buscaram soluções simples e não há qualquer problema em copiar as boas ideias.

Todos sabemos que camisa de futebol é cara, MUITO cara. A justificativa tradicional está na tecnologia dos tecidos para prática esportiva. Mas a maioria de nós não vai usar o Manto para jogar futebol – é nosso traje de gala (ou de Galo!). A maioria de nós está disposta a usar uma camisa mais simples, mas com preço acessível. A maioria que compra a cópia, a falsificada, só o faz porque não consegue pagar mais de ¼ de salário mínimo em uma camisa de futebol. Bahia e Fortaleza lançaram modelos de camisa mais baratos, com material mais simples, acessíveis à torcida de baixa renda, e aceitaram, inclusive, a camisa “não oficial” usada como parte do pagamento da nova camisa. Quanto isso gerou de dinheiro para os clubes? Pouco, quase nada – e venda de camisa traz menos receita do que a maioria dos torcedores acredita. Quanto isso gerou de satisfação do torcedor e de fidelização ao clube? Muito. O torcedor se sentiu importante, incluído, respeitado. Isso é marketing!

Aqui surge outro ponto que merece atenção na entrevista do Diretor de Comunicação. Segundo ele, o licenciamento de produtos com a marca do Atlético está sob responsabilidade do gestor da loja do Galo situada na sede do Clube. Uma das principais fontes de receita de um clube de futebol fica, no caso do Atlético, relegada a uma pessoa que não se dedica exclusivamente a isso. Se serve de comparação, a organização que mais recebe por direitos de licenciamento de produtos e serviços no Brasil é a Maurício de Souza Produções. A Turma da Mônica gera milhões (acredito que já tenha chegado à casa do BILHÃO) de reais de receitas de licenciamento de produtos e serviços. Enquanto isso, os clubes – não apenas o Atlético – não dão qualquer atenção ao potencial que têm à sua disposição. E o Atlético têm vários personagens e marcas com gigantesco potencial comercial, mas que não são minimamente explorados. E isso é marketing.

 

No ano passado, o Flamengo lançou um álbum de figurinhas. Algo bastante simples e que não gera, diretamente, muitas receitas para o clube. O álbum se tornou uma mania no Rio de Janeiro. As figurinhas eram disputadas nas lojas e bancas onde eram encontradas. Os encontros entre colecionadores se tornaram frequentes. Os pais envolviam os filhos na diversão. Novos torcedores foram formados ali. A imagem do clube, parceiros e patrocinadores foi divulgada. Para o Atlético, seria uma ótima forma de contar a história do Clube aos torcedores mais jovens, ótima forma de falar das muitas conquistas, falar do Campeão dos Campeões, dos Campeões do Gelo, do primeiro Campeão Brasileiro, do Bicampeonato da Taça Conmebol, dos heróis e dos ídolos… Assunto não falta e o Centro Atleticano de Memória tem muito conteúdo disponível. Isso é marketing.

Há poucos dias, um torcedor identificou uma publicação do Manchester United, que fez parceria com a Lego para produção da maquete do seu estádio, do Old Trafford. Este torcedor sugeriu que a Arena MRV também tivesse tal iniciativa – e houve resposta dos gestores da Arena no Twitter. Não são apenas os “Red Devils” que compram o “brinquedo”. Os fãs de Lego espalhados pelo mundo poderão conhecer o Galo, mesmo que nem gostem de futebol. Quanto tempo ficariam pais e filhos, mesmo não atleticanos, “brincando” de construir a Arena MRV? Quantos teriam o interesse em vir conhecer a Arena? Enquanto a Arena não está pronta, já pode, inclusive, ser incluída no PES, que é parceiro oficial do Atlético. Isso é marketing!

Vale o destaque positivo em relação às diversas iniciativas da TV Galo e das redes sociais do Atlético nesse período sem futebol. São ações essenciais para manter o clube visível e manter os parceiros, incluindo patrocinadores, com visibilidade. E visibilidade gera interesse de patrocinadores e gera dinheiro. As lives, as postagens em redes sociais, as entrevistas concedidas aos diversos meios de comunicação… Isso é marketing também!

São ações simples que geram engajamento, vínculo, VALOR. E gerar valor se transforma em geração de receitas.

O Atlético precisa estruturar seu departamento de marketing considerando que o preço dos ingressos é marketing; o GNV é marketing; patrocínios, parceiros e ações de ativação são marketing; ações sociais são marketing; produtos além da camisa fazem parte do marketing; o momento do lançamento da coleção é marketing; a imagem dos atletas é marketing; o portal de transparência é marketing e publicar o balanço no prazo adequado também é marketing… é preciso superar o conceito implementado pelo ex-presidente Kalil que dizia que “marketing é bola na casinha”. Mas isso também é marketing.